quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Linha de Malandros

Linha de Malandros
Imagem: Malandros da Umbanda. Editadas em conjunto / Google

A Linha dos Malandros é uma linha nova, poucos terreiros trabalham com ela. Essas entidades trabalhavam (e muitas delas ainda trabalham) junto às linhas de Baiano, Exu e Pomba Gira, conforme afinidade do Guia.
Essa linha traz para dentro do ambiente Sagrado os excluídos da sociedade. Espíritos que em alguma encarnação, por conta do preconceito racial, foram considerados párias e marginalizados pela sociedade, mas que lidaram com essa adversidade sem perder sua fé, sua identidade e seu bom humor, certamente que já apresentavam um bom nível pessoal de evolução. E após desencarnarem continuaram suas evoluções, até alcançarem um Grau perante a Espiritualidade, o qual lhes permitiu voltar a Terra na condição de Guias Espirituais, para nos reconduzir ao Divino. Ao mesmo tempo, a Linha dos Malandros simboliza a aproximação dos excluídos com o Divino e ainda, para todas as pessoas, a possibilidade de uma reflexão sobre o preconceito e as exclusões sociais.
Mas, afinal, alguns se perguntam o quê um “malandro” teria para nos ensinar, qual seria a sua contribuição dentro da religião... Primeiro, cabe lembrar que não estamos falando do “malandro” no sentido vulgar da palavra. Os Espíritos que se apresentam na Umbanda dentro da Linha que corresponde ao Grau Malandro vêm nos ensinar a flexibilidade, a capacidade de adaptação diante dos obstáculos, o “jogo de cintura” e o bom humor, que se obtêm através do sentimento de fé na vida e em si mesmo e do equilíbrio das emoções, dos pensamentos e dos sentimentos. De alguma forma, em algum momento das suas existências, eles vivenciaram tudo isso e podem nos auxiliar. Os Malandros nos ensinam:
- Que a vida é feita de experiências e toda experiência visa a nos ensinar algo de positivo;
- Que não há obstáculos insuperáveis, pois isso nos condenaria à destruição, o que é inconcebível porque não há “morte” em nenhum ponto do Universo e sim, transformações que promovem renovação e evolução constantes;
- Que é preciso confiar nas Leis da Vida e manter a alegria e o bom humor, para estar em sintonia com faixas vibratórias positivas e atrair a cura espiritual, emocional, mental e física, pois todo filho de Deus é um co-criador.

Sua linguagem é altamente simbólica. Muitas vezes, eles falam conosco e comparam a vida a um jogo de cartas ou de dados:
Nesse jogo, uma jogada ruim seria um imprevisto, uma adversidade. O que não significa a perda da partida (motivo para desespero, descrença e desistência), pois a próxima jogada (a nova oportunidade, o próximo passo) poderá ser melhor, só depende de nós;
Nesse jogo, é preciso estar atento a cada passo, observando o adversário (o desafio externo, bem como os próprios pensamentos, convicções, emoções e sentimentos), para se enfrentá-lo em melhores condições e se alcançar a vitória;
A vitória pode ser a superação do obstáculo em si. Mas a grande vitória é o entendimento das causas da dificuldade e a aceitação da nossa responsabilidade por essa realidade que de algum modo criamos. O erro ensina e nos dá oportunidade de recomeçar e acertar;
No caso de uma derrota, saber esperar outra oportunidade e tentar de novo, sem nunca desistir.
Podemos virar o jogo através da persistência, da alegria e da fé no amanhã. É a valorização da vida, da própria existência, do momento atual e de cada momento.

O seu gingado, a sua musicalidade, a sua dança e a sua “malandragem” não são simples repetições das características “dos malandros do mundo”, vamos dizer assim. Esses Espíritos não estão entre nós para fazer apologia do que foram, possivelmente, em alguma encarnação, mas para nos ensinar o que é possível extrair das lições da vida. A grande “malandragem” que eles nos ensinam é como sermos flexíveis, nos desapegando e abrindo mão de ideias antigas, para nos renovarmos a cada dia; encarar a vida com leveza, sem guardar rancores e levar tudo para o campo pessoal. Não perder o humor e estragar um dia por causa de um obstáculo, por maior que pareça. Aprender com os próprios erros, para não repeti-los, pois quem anda atento na vida não vive caindo em buraco.
No aspecto social, a Linha dos Malandros simboliza a inclusão de negros, mulatos e mestiços que viviam marginalizados em nossa sociedade desde o período pós-abolição. Claro que os Espíritos que tiveram uma encarnação assim, como excluídos, continuaram evoluindo e não precisam ser incluídos em nosso meio social. Nós é que precisamos refletir sobre as exclusões que já aconteceram e ainda acontecem por aqui, baseadas em preconceitos, para não repeti-las. E só alcançaremos isso a partir de uma conduta fraterna e de respeito integral ao “outro”. Por outro lado, a presença desses Espíritos nos Terreiros de Umbanda, acolhendo a todos com sua alegria e suas magias, é um braço de atração dos mais humildes, que se identificam com essa maneira despojada de ser, despertam a autoconfiança e podem melhor se expressar e progredir. Existiria melhor exemplo de “aprender com os erros”?
Quanto à questão social, vale lembrar que a abolição da escravatura não pôs fim ao preconceito racial. Historicamente, continuou existindo em nosso país um preconceito velado em relação aos homens e mulheres de pele negra, aos mulatos e aos mestiços. Quando se fala em “malandro”, na linguagem cotidiana, a primeira ideia que nos ocorre é a do boêmio, do jogador inveterado de cartas ou de dados, do amante da noite, da música e das rodas de danças, que vivia de expedientes, carregava navalha ou faca e fugia da polícia.
O “malandro” carioca faz lembrar aquele que vivia na Lapa, que gostava de samba e passava as noites na gafieira, chegando a ser personagem de peças teatrais, de músicas e de muitas histórias. Já o “malandro” de Pernambuco vivia nas danças do coco e do xaxado, passando as noites no forró. O que eles têm em comum? Eram todos marginalizados pela sociedade, vistos como “gente à toa”. Porém, sobreviveram a esse clima adverso, vivendo sem acesso a uma boa instrução ou a bons empregos; nem sempre conseguiram, senão com muita dificuldade, dar alguma instrução aos filhos. Nem por isso perderam a alegria, o gosto pela
música e pela dança, pelo carteado, pela conversa noite adentro, de alguma forma conseguindo manter suas raízes religiosas e tradições ancestrais, dando “um jeitinho” de ser feliz.
Por trás dos arquétipos da Umbanda, vamos encontrar, na maioria das vezes, a Mão da Espiritualidade Superior a corrigir grandes equívocos e injustiças sociais e a nos fazer refletir, enquanto nos auxilia nos problemas do cotidiano. E hoje temos, na presença da Linha de Malandros, uma excelente oportunidade de refletir sobre algumas questões, em especial: primeiro, que nem tudo que parece ruim de fato o é; e segundo, que de tudo se pode extrair algo de bom e de positivo. Do que poderia ter sido uma experiência de todo ruim, esses Espíritos extraíram uma lição de flexibilidade. E aquilo que para uma sociedade hipócrita parecia ser neles um mal, era, muito ao contrário, a prova de valor de um povo que manteve fidelidade às suas raízes e não se deixou vencer pelo meio hostil. Os Malandros vêm até nós, pelas Mãos do Alto, para nos ensinar “a boa malandragem”: fazer limonada com os limões azedos que recebemos dos outros; escorregar e levantar rapidinho, sem perder a compostura e a elegância, e já sair dançando e cantando; aprender a jogar “o jogo da vida” e ser um bom parceiro de jogo, aprendendo a rir das tristezas e de si mesmo; assumir o que se é, sem hipocrisias, e fazer todo o Bem que se possa; não se prender a padrões e valores externos, mas ficar centrado em si mesmo e na sua fé.
Pensar que os Malandros podem nos ensinar tudo isso brincando, de um jeito tão despojado, é o bastante para se quebrar o velho ditado que dizia: ”de onde não se espera é que não sai nada”. Porque as aparências enganam! Então, não vamos viver de aparências e nem pelas aparências. Vamos viver a vida com Amor, Respeito e Fé. Vamos acreditar em nosso poder interior, que é Deus em nós. Vamos aprender a nos centrar e a nos conhecer intimamente, despertando nossas capacidades e valores acumulados ao longo desta e de outras encarnações e que ainda dormem dentro de nós, mas que podem ser despertados pelo nosso querer, por nossa vontade de superar as dificuldades, por nossa firme determinação de curar nossos pensamentos menos felizes e de encontrar respostas para as nossas necessidades, para enfim chegarmos a um caminho de felicidade, aqui e agora.
Nos Terreiros que adotam vestimentas características, quando incorporados em seus médiuns, os Malandros se apresentam vestidos com camisas listradas, alguns com camisas de seda, outros de terno e gravata brancos e chapéu ao estilo Panamá e às vezes de palha. Usam sapatos brancos, ou então bicolores (branco/preto; preto/vermelho) e gravata vermelha. Alguns usam cartola; outros, uma bengala (cajado). As mulheres adotam roupas diversas. Uma figura bastante conhecida dentro desta Linha é Seu Zé Pelintra. Seu Zé, como é conhecido popularmente, é uma Entidade peculiar, pois tanto se manifesta na Direita quanto na Esquerda. Como todo bom malandro, sua flexibilidade é seu ponto forte: seja como for, ele é um Guia a serviço da Luz.


Símbolos de representação da linha: Chapeu, navalha, punhais, baralho, moedas, etc.
Cores: Branco e vermelho, branco e preto, preto e vermelho.
Ferramentas: Baralho, moedas, navalhas, punhais, dados, dendê, etc.
Flores: Rosas e cravos vermelhos e brancos.
Comidas: Coco verde, lascas de rapadura, carnes, farofas, etc.
Bebidas: Aguardente, cerveja clara, cerveja escura, licores, uísque, etc.
Fumo: Charutos, cigarrilhas, fumo de corda, ervas enroladas na palha.
Pontos de Força: Ruas e encruzilhadas.
Saudação: Salve a malandragem!

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Fontes:
Adaptação do texto original postado no site Instituto Cultural Sete Porteiras do Brasil.

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